Oi Mah, como você está? Você continua morando com seus pais ou está morando com o Lucas? O que tem feito? Tanta coisa que nossas conversas breves não me permitiram perguntar.

Que saudade de ti e daquele verão estranhamente confuso de 2015 (nunca vi afinal tanta coisa acontecer em um espaço tão curto de tempo)! Sinto saudades de conversar por horas contigo sobre qualquer aleatoriedade que precisássemos desabafar. Às vezes acho que ser adulta é principalmente sobre saudades e falta de tempo, aliás.

Sei que mais de cinco anos já se passaram, mas mantenho minha promessa de que ainda irei retribuir sua visita, Mah. Foram anos meio turbulentos para conseguir viajar por lazer. Mas acho que agora (assim que a pandemia passar), as coisas vão começar a se estabilizar, financeiramente falando.

                 Falo financeiramente porque todo o resto eu precisei virar de ponta-cabeça para entender o que estava acontecendo. Acho que ainda vai levar um tempinho para colocar tudo no lugar. É como fazer uma reforma, na qual precisei primeiro quebrar algumas paredes e levantar muita poeira. Comecei por desenhar o resultado que eu espero desta reforma, mas então lembrei que é necessário descobrir quais são os pilares que me sustentam, pois confesso que senti medo de perdê-los em meio a tudo o que aconteceu.

                Então cá estou a reler antigos contos e diários, a visitar as memórias que algumas fotos remetem e até mesmo algumas velhas conversas que o tempo ainda não apagou. Cá estou procurando entender a mim mesma para decidir quais caminhos pretendo seguir, tentando me reinventar sem me perder. Dentre algumas das verdades imutáveis encontrei meu amor incondicional pela escrita (e até mesmo ele se escondeu por algum tempo), encontrei também a minha paixão pela ficção, pela leitura e pela ciência. Não importa onde eu vá, tampouco quais caminhos irei escolher, certas coisas nunca irão mudar. Reconhecer isso me parece a melhor forma de trilhar o caminho certo.

                Mas sinto em dizer, nem tudo é muito bonito, Mah. Também encontrei registros que quase não reconheci, como se houvesse outra pessoa vivendo a minha vida. Registros de uma menina mal humorada e briguenta, uma menina que muito lamentava e pouco fazia para mudar sua realidade. E senti vontade de chorar pelas pessoas que magoei e perdi até encontrar uma versão melhor de mim. Felizmente nossa amizade é uma sobrevivente e ainda podemos conversar sobre os dias que ficaram no passado e aqueles que ainda estão por vir.

                Como você sabe, Mah, terminei um relacionamento recentemente. Antes de chegar ao ponto final senti muito medo, pois o mundo fora desse lugar confortável parecia tão diferente da última vez que estive lá fora. Mas quando tudo acabou, confusamente senti liberdade e culpa. Liberdade para dizer tudo o que eu penso e sinto, culpa pois eu acreditei que deveria sentir muito mais tristeza do senti. Talvez de alguma forma a tristeza se faça mais presente quando a realidade vem preenchida com arrependimentos e ausente de esperanças. E bom... de todos os arrependimentos que coleciono, esse não é um deles, pois me parece que aconteceu como precisava acontecer.

                Mas falando sobre esperança, de alguma forma percebi que ela é uma daquelas coisas que não mudam, Mah. Percebi que sempre acreditei que poderia chegar onde quisesse, e também que sempre acreditei no amor, mesmo nos dias mais nublados. Ao folhear as páginas do passado encontrei uma menina que sempre escreveu sobre suas paixões e seus amores, uma menina que continuava a amar mesmo quando nada lhe indicava que pudesse dar certo. Isso me deixou feliz, pois ajudou a entender tudo o que venho sentindo nessas últimas semanas (mas não muda a sensação de que agora é diferente).

                Então é isso, Mah: Cá estou, com alguns planos já em prática, mas ainda muitas ideias para reorganizar, cá estou a carregar cada vez mais duvidas e menos certezas (afinal já não sou mais adolescente para saber tudo). Cá estou, novamente carregando essa confusa esperança de que as coisas vão dar certo e ainda terei boas histórias a contar.  E claro, como todos em 2020, estou também a esperar pelo retorno da possibilidade sair de casa em paz.

Com carinho e um bocado de nostalgia, Hericatz.


P.s. Quando tudo isso acabar acho que serei capaz até mesmo de curtir uma festa de três dias, preferencialmente um Halloween.  Haha






Fonte da imagem: https://www.deviantart.com/lacewingedsaby/art/Letter-from-an-Assassin-311648012

Obs. Texto escrito no dia 29/05/2020